19.1.06

Os mal comportados

Glosar era um hábito mais ou menos aventureiro. Glosava com quase todos. Glosava com a menina da caixa da farmácia, quando ia comprar os anti-depressivos, glosava com os motoristas de taxi, com quem se fazia passar por fascista ou comunista, conforme o melhor antagonismo.
Glosava até o prato em que comeria, glosava solitariamente as horas em que nunca lhe apareciam telefonemas, mensagens, glosava até com o isolamento a que o votaram os temerosos e os macabros.
Sangacho nunca daria uma boa posta, a massada de bacalhau e a caneja de infundiço já a nada lhe sabiam. Perdera num ápice os camaradas de trabalho mais amados, enredara-se sem fidelidades numa típica confusão hormonal, abandonara os químicos. Por vezes, sem querer, até lhe fugiam as mãos para o romantismo e voltava a glosar.
Hoje, pensa votar no antigo professor de História. Se ao menos ele se candidatasse...