13.4.05

abegoaria chuva



Como vê, é na essência
Das pequenas tábuas, no artífice
Dos soalhos crus, que respiramos
A vapor nas noites frias, Apenas enrolados nos cobertores velhos,
A lascívia.

Como vê,
A intuição da carne é muito mais breve,
Manifesta-se logo no primeiro torpor.
Não espera autorização
Judaico-cristã para se agudizar
Às partes mais flácidas
Que de libido se tornam
Rijas.

Como vê, pouco movimento lhe posso dar
Surrealismo, talvez, uma ou outra referência
Musical, falo-lhe dos de Brandenburgo
De um Orff ou de algo contemporâneo.
Sei lá eu como descrever-lhe o herói pícaro que sou
Como amante.

Queira-me, apenas,
Ainda que me queira deitado em pequenas notas no
Relicário.
Deixe o trinar dos violinos nas faldas dos Candeeiros,
Mas margens inóspitas, violadas mas sacrossantas do Douro.
Eu, feliz,
Parecerei uma extremidade de qualquer coisa.
Nem que seja do meu próprio falhanço:
Reflexo de uma lucidez extemporânea,
Quiçá ébria,
Ou, então,
Do cepticismo natural que se vai criando
Quando à volta
Anda à solta a sublimação do não,
A permissividade do absurdo.

Para se ficar bem na fotografia,
É preciso estar quieto.
Já perdi essa vontade.
Falta-me a força para sair do negativo.

Mas também já me faltam dentes.

de Eustáquio Pinho, A Estupidez da Aparência, Pomarão, 2005