Reservado
RESERVADO, declarava o autocarro em letras garrafais na fina testa que encimava o largo vidro frontal. RESERVADO, confessava. Tinha aliás quebrado a timidez de pequeno velho autocarro para o declarar. Podia ser que assim, finalmente, deixassem de o importunar com perguntas banais e dúvidas traiçoeiras («passa ao Caixodré?», «vai ao Marquês?»). RESERVADO. Como sempre fora, aliás, desde os tempos de juventude, em que o dever da carreira o levava de uma ponta à outra da cidade e o obrigava a catar gente de Stop em Stop. Mas agora, finalmente, tinha chegado à idade de ser um respeitado autocarro de carreira fechada. Reservada. Como ele sempre sonhara. Agora era um autocarro RESERVADO. Sossegado. E assim andava de rua em rua, com um RESERVADO na testa e um sorriso entre os faróis.
<< Home