25.2.05

A âncora quebrada

Literário amava todas as mulheres. O seu gosto apurado deixava-o de rastos à passagem da mais leve brisa feminina. Gabava-se de ter aterrado nos mais belos aeroportos e de ter largado dos mais esbeltos portos.

Mas apertava-lhe o coração o facto de ter lançado âncora apenas uma vez. Para logo depois, tão pouco tempo depois, ver o fundo do mar que lhe prendia a âncora fugir atrás das ondas salgadas de um oceano inteiro, mais vasto, mais profundo... Enfim, mais tudo aquilo que Literário não tinha nunca sabido ser, ocupado que estava a firmar âncora num pedaço de terra enquanto, ao mesmo tempo, os olhos lhe fugiam - malvados! - para outras margens.

Literário amava todas as mulheres. E por todas as mulheres queria ser (e era, ó se era) amado. Mas que não lhe pedissem mais do que uma breve estadia, umas férias de amar e amar, de ir e voltar. Que não lhe pedissem para lançar âncora e ficar. Que não lhe pedissem nunca para âncorar o desejo e fundar uma pequena frota local. Não que Literário o renegasse. Mas porque a sua velha âncora tinha ficado lascada, ferida, meio quebrada, desde então. E por mais que amasse e fosse amado, a lasca da âncora ainda lhe ardia no amor e feria o desejo.

Literário amava todas as mulheres. Mas uma mais que todas as outras. Uma que tinha zarpado para um novo mundo, longe e desconhecido. E isso, mais que tudo, mais que a saudade, mais que a lição, era a pior coisa que podia ter acontecido a Literário. E quando amava todas as outras mulheres, a dor que o cortava era tão forte quanto um trovão lancinante. Mas para todas as outras mulheres, a dor de Literário era o melhor e mais intenso orgasmo que algum homem lhes tinha oferecido.

Literário era amado por todas as mulheres. E todas as mulheres o matavam um pouco mais...