2.2.05

Dezena

Vai lângida e agridoce a charla,
Bueiros ainda por vazar ,
Um cabo de tormentas a mediar
As nossas palavras,
Como se o medo de as dizermos
Fosse condição para sublimar
O que foi. E, por não voltar a ser,
Prometesse que podemos partir
Daqui,
Para uma viagem nova, apenas
Embalados no lastro que ficou, confuso
E idolatrado,
Do que já passou.

Ledo o momento em que o reencontro se dá.
Afastemos o mundo por uns segundos,
Seguremos a face altiva para que os olhos se toquem,
Arrepiemos caminhos, sem que voltemos atrás,
Haverá um bejo na esquina do lábio,
Numa das despedidas,
Que denunciará tudo.
Ou apenas um aceno,
Que nos condenará a uma eterna solidão
Ainda que estejamos aqui, meliantes com
O coração do outro nas mãos,
E mais uma vez corramos em direcção aos
Ribeiros, aos montados,
Onde enterrámos, para sempre, por uma vez,
O que queriamos nos braços:
um e outro.

de Eustáquio Pinho, O Sépia é Uma Cor Que Engana, Uritorco, 1994