Furacão Madonna
O "furacão Madonna" passou por Lisboa (e reincide esta noite à mesma hora e no mesmo local). Depois da enorme expectativa, traduzida na velocidade com que os bilhetes desapareceram apesar dos preços proibitivos (61 euros, o menos caro), o concerto não defraudou mas mostrou que a música não é o mais importante para aquela que, mais do que um ícone pop, é hoje, e acima de tudo, uma marca.
Para Madonna, o que mais ordena em 2004 é o conceito de espectáculo. Não estranha, então, a comitiva (de mais de uma centena de pessoas e cerca de duas dezenas de camiões com palcos, material vário e roupa) que a acompanhou a Portugal e que se deu ao luxo de reservar para usufruto privado o restaurante e o clube nocturno mais ins da capital, a Bica do Sapato e o Lux-Frágil, respectivamente. A ocasião não era para menos, já que se tratava do encerramento da ReInvention Tour, digressão que levou a cantora e o seu séquito por diversas cidades norte-americanas e europeias ao longo deste Verão.
Com o recurso a esta trupe itinerante, a "Material Girl" e os seus assistentes conceberam algo que transcende em muito a definição de concerto. A ReInvention Tour é muito mais do que música. Aliás, a própria banda suporte da cantora fica discretamente colocada a um cantinho do palco ou é, pura e simplesmente, esquecida. No seu lugar surge um corpo de bailarinos em constantes mutações coreográficas, cenográficas e de guarda-roupa.
Mas o centro das atenções é Madonna e, subliminarmente, a Cabala judaica, interpretação religiosa a que a cantora recentemente se converteu. Ao longo das quase duas horas de espectáculo, são inúmeras as referências e a simbologia alusiva a esta (dos caracteres às inscrições «Kabbalists Do It Better» nas t-shirts de cantora e bailarinos), impossíveis de interpretar pelos não iniciados. Ao mesmo tempo, os gigantescos ecrãs dispostos por cima e ao longo do palco mostram imagens alusivas à situação política actual, não apenas de Bush Jr., Saddam Hussein, da guerra, mas também de uma utopia israelo-palestiniana. A tudo isto alude hoje a intérprete de 46 anos, aproveitando o mediatismo de que dispõe para professar a fé que actualmente defende. Mais do que apenas música, Madonna é hoje uma marca também de imagem, arte multimédia, intervencionismo político e... religião - algo sempre presente na sua carreira mas talvez nunca tão fundamental como hoje e, muito provavelmente, a faceta mais escondida e simultaneamente fundamental da ReInvention Tour.
Assim, e independentemente do alinhamento musical do espectáculo (sim, escutaram-se Vogue, Music, Like A Prayer, Die Another Day, Express Yourself, American Life, Crazy For You, Holiday, entre outros êxitos planetários), aquilo a que o Pavilhão Atlântico assistiu ontem e hoje foi, também e muito, uma demonstração de fé. Curiosamente, dois dias antes havia passado pelo mesmo espaço uma convenção da Igreja Maná. A diferença é que os assistentes desta sabiam ao que iam. Quem foi ao "concerto" de Madonna, ainda deve estar para saber a amplitude do "furacão" que lhe passou pelos olhos (e restantes sentidos).
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