22.6.04

Uma pôrra!

«Foi você que disse "pôrra!"?» - perguntou-me.
«Não. Nunca!» - respondi, acendendo um cigarro lascado com a ponta do dedo mindinho.
«Mas não como?» - insistiu, à beira de um ataque de sistematose.
«Eu nunca diria "pôrra". Ou pelo menos, só "Pôrra".» - iniciei a explicação, como que espicaçado pelo cair das nuvens altas. E continuei, divagando ao sabor da calçada alentejana: «Na minha terra sempre aprendi que a Pôrra é singular. A Pôrra não é abstracta, é sempre palpável, divisível e objecto de pormenorização. A Pôrra tem carimbo de identidade e bilhete postal. A Pôrra tem código de barras lacrado na base. A Pôrra tem pés e cabeça, tronco e membros. A Pôrra é una, única e uma só e leva "P" grande à frente. A Pôrra não é só pôrra. É "A Pôrra" (ou "Uma Pôrra", se ainda não nos foi apresentada). Daí o dizer-se, de semblante franzido, "Olha a Pôrra!" e não "Olha pôrra".» - concluí, antes de me despedir com um pálido guardanapo displiciente ao som de um jovial mas necessário «Há que ter respeito pela Pôrra. Não vá ela, um dia, sair-nos pela culatra...»