30.3.04

As lágrimas amargas de Chiririca

Chiririca beijou o peito do seu amado e chorou, olhos na lua alta, cantando coisas estranhas ao ouvido de seu amado. Essa seria a sua última noite ao lado do seu amado, aquele louco insensato, aquele doido varrido, aquele bandido amoroso, cantor de coisas doces, autor de belos poemas e cantigas de romancear.

Chiririca chorou uma última lágrima e deitou-se ao lado do seu amado, olhando-o no escuro pela última vez, sabendo que a lua a espiava e ao seu amado.

Nessa noite, Chiririca dormiu como há muito não dormia ao lado do seu amado, com o calor do corpo do seu amado e o suor da noite quente na favela onde escondia o seu amor, onde vivia o seu amor discreto, secreto. Nessa noite, Chiririca dormiu, sonhou, voou.

(...)

Chiririca acordou já de sol alto. Sozinha, no meio da favela deserta. Eram passados 29 anos desde aquela última noite em que dormiu ao lado do seu amado, uma última vez abraçada ao seu amado.

Chiririca sabia que o velho tempo já não caminhava a seu lado, mas o seu amado estava lá, dentro dos seus olhos, dentro do seu peito, dentro do seu choro. E caminhava ao seu lado, ocupando o lugar do tempo que não passava. E não deixava Chiririca chegar ao fim do tempo.