Andava aqui a fazer zapping e desisti
A grande maçada de ler sobre outros países é chegar à conclusão de que anda cá dentro da fronteira um lume-brando, um banho-maria insuportável: não cozinha nem arrefece, amorna.
Vem isto a propósito de um programa vespertino que um canal da tv cabo - essa fascinante empresa - oferece aos seus clientes: o insuportável (para o escriba) CNBC.
Quem conhece, e não é economista, sabe do que falo: milhares de estímulos por segundo, intentonas contra a concentração, botões verdes a subir, setas vermelhas a apontar o inferno accionista, de Tóquio a Nova Iorque, de vez em quando lá aparecem as acções que o meu avô comprou.
Quem diria, aliás, que quando em 1995, ou antes, acho que antes, quando o meu avô me levou pela mão à velha «dependência» bancária do Totta&Açores de Moscavide para comprar acções da empresa onde sempre trabalhou, ele próprio viria um dia a ser dono de sete segundo de fama na CNBC.
O meu avô, alentejano, habituado à terra, a subir com a pasteleira a rampa da igreja, onde há-de cair e dar azo ao mal que o levará, o meu avô ali, todos os dias, na CNBC.
É como se aquilo que comprámos, assinamos, adquirimos, sei lá, naquela velha «dependência» do Totta se eternizasse através do Eutelsat, do Astra, a memória da pasteleira verde do meu avô a subir a ladeira, e eu a vê-lo a subir a ladeira com os pés nos pedais, e eu a desmontar porque não tinha a mesma força que ele, ele 70, eu 12, e a CNBC a passar, todos os dias, ali, da direita para a esquerda, as acções do meu avô compradas, assinadas, sonegadas, encomendadas no balcão almofadado a napa castanha, um homem a quem se chamava sr. Tavares a aconselhar, de casaco aos quadrados, do outro lado do balcão.
A gripe, dizia, levou a que me prostrasse em frente ao televisor esta tarde. Aliás, com a família toda doente, alguns no exílio para evitar que o vírus alastre, já não havia pachorra para ouvir rádios estridentes, os livros estão lidos ou ainda virgens (o Mário de Carvalho é bom, deus o mantenha), ligo o televisor e eis que aparece um grupo de senhores americanos a fazer o balanço do ano. O programa tem o nome do apresentador, que é The qualquer-coisa Group. O qualquer-coisa é o apelido, mas não me apetece ir à net ver o nome do homem, por isso deixem-se estar sossegados, ele não se ofende.
Ora, ali estavam quatro palradores, da esquerda à direita, a dizer o que tinham achado de 2003, blá blá blá, que isto e aquilo e, de repente, o republicano Pat Buchanan (acho que é assim que se escreve) sai a atacar os próprios companheiros. Porrada no Bush e no Exterminador da Califórnia.
Outro, que lá estava, assim para o compostinho, deu valente na política externa dos EUA.
A senhora que já faz parte da cota e da quota do programa, embora não disfarce o seu «esquerdismo americano», a dar cotoveladas no imbecil que os democratas querem por a correr contra o Bush...
E eu, engripado, a pensar: mas que raio, o Marcelo é tão considerado porquê? Estes tipos estão aqui descontraídos, a dar porrada nos seus pares, e não são levados aos ombros, porque é que nós aqui no país ficamos logo à banda quando o Marcelo fala. Ou o Pacheco bloga? Ou o Santana panfleta? Ou o Carrilho fecunda? É que estes, talvez com excepção e muito favor ao Pacheco e ao seu ódio de estimação com o Portas, são uns empatas. É tudo delico-doce. É tudo meias-tintas. Parecem o Garcia Pereira, que é totalmente inofensivo e por isso é que ainda o deixam falar.
Ou o Louçã. Aliás, ou o Louçã e o Bloco são parvos ou já perceberam que estão arrumados se não mudam aquilo de «Le Bloque c'est moi»... O Barroso já trata o Louçã por menino Tonecas e arruma-o. Upper-cut a cada debate.
Resumindo, andava aqui a fazer zapping e desisti. Recebi o «Yes, Minister» como prenda de Natal e faltam só dois episódios para rever toda a série que, amiúde, a BBC Prime tem reposto. Um dia destes, hei-de voltar a ver o meu avô passar na CNBC.
Bom 2005. Que 2004, deus nos ajude...
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