O Álvaro
O Álvaro era um tipo curioso. Talvez por isso, e por estar de cama há tanto tempo que até a cegueira física o ataca, é que os The Galarzas lhe prestaram três homenagens.
O Álvaro não é o modelo de nada. É o anti-herói, subiu ao politburo e as asas derreteram-se, mandou o Vasco fazer o que devia ter ele feito.
O Álvaro é cá da casa. Isto é, tem frases importantes, cometeu imbecilidades, o 25 de Novembro foi um deslize digno do Kissinger, mas aparte isso, que mal fez o Álvaro? Nada. Chegou ao topo do partido com umas sacanagens, mas quem não o fez?
Só que o Álvaro saiu disso ileso. Isto é, é uma espécie de Eusébio das estepes. Um herói nacional, com o «olhe que não» a fazer história.
O Álvaro faz falta. Não existe outro Álvaro assim.
O Álvaro misturou-se para nós com o Vasco Granja, com os desenhos animados.
Não havia renovadores no tempo do Álvaro, porque ele é que renovava.
Interessa lá agora se o PCP está como está. Isso é dos partidos e nós aos partidos dizemos o que queremos nas presidênciais e nas deputais.
Mas o Álvaro é como o vinho, que dele rouba o nome e se torna diminutivo. É alvarinho, único na região, em vias de extinção, tragá-lo dá prazer, não é imitável. Nunca, que se saiba, comeu criancinhas ao pequeno-almoço. Nunca, que se saiba, teve medo de ter medo.
Uma gaita, os putos de agora.
O Álvaro é um gajo sério. Um gajo artistico, um tipo que desenhou quando esteve preso. Crime: pensar.
O Álvaro, como diz o Quarto e bem, merecia uma sociedade mais justa.
O Álvaro, como mostra o Quinto e bem, puxava onde os outros só empurravam.
O Álvaro, como diz o Cesto e bem, não tinha batedores. Batia-se pelas coisas.
O Álvaro não se repete. Mas não se esquece.
Deu África à URSS? Terá dado. E depois? A América Latina era dos EUA, o médio-Oriente é da confusão corporativa. E depois? Fez mal? Moçambique, Angola? Foi o Álvaro que mandou os nossos mancebos para lá, de G3 em punho, estragar a tola?
O Álvaro apoiava o Otelo? Só se fosse maluco.
O Álvaro gostava do Salgueiro Maia? Talvez não.
O Álvaro tem um pensamento quadrado? Não. Tem um pensamento cúbico.
Ele aprendeu a pensar em três dimensões. E por não haver ninguém que atrás dele pense assim, é que isto chegou ao que isto chegou.
Se votávamos no Álvaro? Tanto quanto o Zé Mário Branco votaria no Pinheiro de Azevedo.
Isto cheira a abrilismo? É uma gaita, o abrilismo? É. Para os gajos que fecham empresas, para os tipos que metem os fundos ao bolso, para os rouxinois.
Haverá fado em Alfama?
Vamos ao fado, Álvaro?
Bebe uma água-pé com a gente.
Como se nunca tivesses tido tantas culpas e fosses apenas aquilo que a gente quer que tu sejas.
Para ti, não há novas amálias - ai, a Mariza é a nova Amália, a Bobone é a nova Amália, a Dulce Pontes é a nova Amália...
Puta que pariu a nova Amália!
Queremos o velho Álvaro de volta. Nem que seja para dizer mal dele. E combater.
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