26.10.03

O fim da arte: o músico e o pasteleiro

Os The Galarzas aproveitam o recente e-mail recebido para, citando-o, prestarem homenagem aos referidos (e um saravá à melhor loja de discos do Bairro Alto, por tão doce epitáfio):

«esta foi a semana que vimos desaparecer elliott smith.
elliott foi um doce e gentil trovador moderno
cuja falta muitos amigos e fãs irão sentir.
com a sua morte muitos novos fãs irão também aparecer,
ilustrando o mais recorrente lugar comum:
a morte é apenas um ponto entre ciclos.

mas esta semana outro pequeno grande génio deixou-nos
após 78 anos de vida e 69 de profissão,
sem que saibamos que ciclo agora se inicia.
manuel natário era pasteleiro,
e desde que herdou o negócio do pai em 1950
nunca mais deixou de iluminar a sua arte como poucos.
a sua pastelaria, a um minuto da praça da república,
no coração de viana do castelo,
era um promontório da doçaria e do bom gosto culinário.
perseguiu, como poucos,
a subtileza nos mais simples adornos pasteleiros.
foi no número 37 da rua manuel espregueira
que o mestre pasteleiro ergueu as melhores bolas-de-berlim do mundo:
toscas, como objectos paridos da terra;
pequenas, condensando uma implosão de riquezas gustativas;
recheadas, com um vital creme gemado;
quentes, exalando o sabor oriental da canela.
manuel natário era afável, atencioso,
desfrutava e exibia imponentemente um porte obeso,
essa ancestral e perdida silhueta dos pasteleiros.
foi ainda o 'capitão natário',
o mestre de bem-comer de «tocaia grande» de jorge amado.
o pão-de-ló conquistou o escritor brasileiro
numa visita às festas da senhora da agonia.
essa nuvem celestial cor de gema,
que natário também celebrizou,
junta-se com igual mérito aos salgados:
folhados de pato e camarão, rissóis de bacalhau, empadas de lampreia,
são outros mimos gastronómicos que deverão ficar para o futuro,
como se de uma herança patrimonial se tratasse.
no dia em que o franchising consiga replicar a perfeição
a ananana poderá mudar de ramo.
estejam atentos.»