21.8.03

Desabafo

Há dias em que apetece explodir, em que apetece cair por longos e profundos abismos e estatelar o corpo no alcatrão sujo da estrada mais velha e gasta.

Há horas em que parece que cada passo em frente, cada esquina por cruzar, cada olhar sem horizonte, é um parede larga, tão larga e densa quanto o mar raivoso de uma noite de Inverno, quanto o sol do meio-dia num dia quente de Verão, quanto a dor de uma perda tão dentro, tão nossa, tão intensa. Quanto a sensação... não - a certeza, de que nada jamais será igual, nada nunca mais será a mesma coisa.

Há momentos em que as palavras fogem, escapam por entre as gotas de suor, as gotas de chuva, as lágrimas choradas e, sobretudo, as que estão por chorar - que são as mais pesadas, as mais difíceis, aquelas que nunca teremos força nem coragem para deixar escapar. Aquelas que sabemos que um dia vão sair disparadas, derramadas, lançadas por entre a raiva, a fúria, a velocidade da queda - da nossa queda, da nossa perdição ou da certeza de que a nossa perdição está, então, cumprida.

Há instantes - nem momentos, nem horas, nem dias, mas instantes, breves, irrepetíveis - que afinal são eternos e na sua eternidade abarcam uma vida, duas, três, quatro vidas, e que deixam apenas soar as trombetas desse instante, para que fique marcado sobre uma vida, sobre quatro vidas, e para sempre se meça essa vida, essas vidas, por esse instante único, breve e irrepetível, mas eterno e tão intenso.

Há alturas em que os olhos se reviram, a mente explode, as mãos tremem, a boca soluça, os dentes rangem... e a única coisa que sai, por entre a imensidão de vocábulos que se atropelam em corrida, por entre a mão cheia de ideias que deslizam furiosamente, é o mais rotundo e sentido "fôda-se".

E apesar de tudo, apenas isso, faz o turbilhão acalmar. E sabe bem.