6.7.05

«She is like a neverending tune»

Cantava-lhe Ele ao ouvido, como se aquele She fosse só Ela, como se aquele verso gasto de uma velha cantiga fosse sempre novo e sempre dEle, só dEle e só para Ela. E sempre que Ela ouvia aquele verso, aquele encantamento, os seus olhos semicerravam o desejo, os seus braços desfaleciam-lhe sobre o corpo magro e elegante, tombante sobre os ramos fortes que eram as mãos dEle, ao som da brisa mais suave e segura que era a voz dEle. E o que se seguia era a mais esplendorosa orquestra em tonitruante improviso, era a mais rasgada sinfonia em orgasmo maior, era a mais luminosa obra-prima de um amor tão ardente que o próprio Sol derretia de vergonha a cada novo gemido e o Tempo parava para recuperar o fôlego.

Só depois de fechada a pauta e guardada a batuta é que a janela ousava deixar entrar o dia, os dias, passados em sono apaixonado, em abraço suado e repetido, em juras de prazer eterno. Até à hora em que a noite, já descansada, deixasse fugir de novo o mesmo verso, o mesmo encantamento, e tudo voltasse àquela cama, àquele altar do desejo onde os seus corpos se resumiam e sintetizavam e largavam a mesma sinfonia, uma e outra e outra vez, em ciclo tão perfeito que a própria Natureza o invejava.

E assim se passavam os tempos, nessa melodia interminável que nem os Anjos de Deus ousavam interromper nem as vozes mais divinas sabiam cantar. Era assim porque assim tinha de ser. Like a neverending tune.

[A partir de uma canção de Hanne Hukkelberg]